Breves reflexões: Igreja, Celibato, reformas

“Diálogo não leva a ter razões, mas a ver razões”
Dom Paulo Evaristo Arns

                Lendo “A história é amarela”, uma antologia com uma série de entrevistas das páginas da cor do sol da revista Veja nos deparamos logo no inicio do livro com a entrevista de Paulo Arns, concedida a revista em Outubro de 71 já é uma das que mais gostei. A frase que abre esse texto é atemporal e cabe a todos nós neste momento de fervor político, principalmente, como este que vivemos agora. Fica nítido, pelo menos para mim, que com esta frase Paulo espera que através do dialogo possamos nos colocar no lugar do outro e entender suas razões, em suma ter empatia.

                Paulo discute alguns temas delicados para a fé católica. Poucos anos antes de sua entrevista, a igreja católica havia passada pelo Concílio Vaticano II (1962-1965) que foi tido como um grande evento da igreja católica, reuniu lideranças do mundo inteiro para debater e votar sobre temas importantes e pertinentes para toda a igreja católica como o celibato clerical, a infalibilidade da figura papal, os direitos humanos, as relações da igreja com os diferentes tipo de fé que pipocavam pelo mundo e como revolucionar a fé num momento em que a igreja católica estava a perder fiéis. Um dos pontos mais importantes para o fiel católico certamente foi a proposição de as missas serem rezadas na língua mãe do país onde estava localizada, uma vez que até a década de 60 elas ainda eram feitas em latim, privando o conhecimento público daquilo que estava nos testamentos.

                Dentro deste debate chama a atenção para a questão do “celibatarismo” dentro da igreja. Dom Paulo chama atenção para o fato de que “a igreja Romana optou, por muitas razões, por aceitar para o ministério apenas aqueles que, junto à vocação sacerdotal, lhe oferecessem também uma garantia de possuir vocação para o celibato”. Esse ponto em especial nos chama atenção e levanta questionamentos como: Se a igreja passou, em um determinado momento, a exigir o voto celibatário, não teriam ocorrido revoltas por conta disso?

                O próprio Papa Francisco já discutiu e a questão recentemente e nos lembra que o celibato não é um dogma através da fé, mas sim uma regra da igreja católica. Dom Paulo lembra ainda da possibilidade de ordenar homens casados, tal qual Francisco e a igreja católica discutem hoje, uma vez que desde o Concílio Vaticano II a igreja católica sofre com a falta de padres. Há dentro da igreja católica uma movimentação por exemplo para se permitir tal ordenação na região amazônica, região onde as igrejas pentecostais tem crescido e ganhado o espaço outrora da igreja católica romana que não tem padres interessados em compor aquelas eucaristias. Dom Paulo, sempre a frente do seu tempo, já nos anos 70 dizia que “isso não constitui novidade, posto que entre os católicos orientais sempre assim se procedeu”

                O celibato e a ordenação de homens casados para a função clerical, assim como outros muitos temas, remontam ao Grande Cisma, evento onde a igreja católica romana (ocidental) e a igreja católica ortodoxa (oriental) romperam entre si a partir do ano de 1054. Esta data no entanto reflete apenas a efetivação da separação entre ambas as partes, mas os debates dogmáticos vinham ocorrendo desde os anos 800. Quando Miguel Celulário se tornou patriarca da igreja oriental em Constantinopla em 1043 as revoltas já haviam eclodido.

                Revoltas nos remetem as várias reformas pelas quais as igrejas tem passado ao longo do tempo. E mais uma vez remontar o passado pode responder a questão de haver ou não revolta contra o celibato. Em 1517 Martinho Lutero ficou conhecido por pregar nas portas da Igreja do castelo de Wittenberg suas 95 teses, que eram críticas ao modelo adotado pela igreja católica de arrebanhar suas ovelhas mas que divergia da forma como muitos dos seus líderes tinham agido ao longo da história. Entre as teses de Lutero estavam questões como a venda de indulgências, o exagero na quantidade de sacramentos, negação da transubstanciação, a língua que as missas deveriam ser oradas substituindo o latim e os perdões em troca de dinheiro, no qual ficou famosa a frase que por muitas vezes teria se repetido ao longo da idade média: “Assim que uma moeda tilinta no cofre, uma alma sai do purgatório”.

                Lutero também criticava o celibato clerical e poucos anos depois da reforma teria se casado com Catarina de Bora, uma ex freira. Fica evidente aqui que o celibato também foi figura importante nas lutas reformistas que eclodiram dentro da própria igreja. É importante entender que há inúmeros debates sobre o celibato e entre as várias linhas de pensamento é preciso distinguir alguns conceitos como a Castidade, que se refere ao estado de estar/ser casto, ou seja fiel, para os casados e para os solteiros ligada ao ato de aguardar até o casamento; A virgindade que se refere ao fato de não haver uma vida sexual ativa e a vocação virginal, que está associada a recusa da vida sexual ativa, ou seja a pessoa não precisa ser virgem para assumir sua vocação virginal; e por fim o Celibato que seria em sua definição o estado daquela pessoa que se mantém solteira e o celibato sacerdotal na qual o individuo reconhecendo seu dom para o celibato abre mão deste aspecto para se dedicar inteiramente aos estudos e pregação da palavra.

                O celibato não era uma exigência divina, mas sim um valor que foi agregado socialmente e passou a ser cada vez mais bem visto ao longo da vida. Foi a partir dos Concílios de Latrão, conclamados pelo Papa Calisto II, que o celibato foi estabelecido e incorporado como regra. Já havia a preocupação com a degradação moral da igreja católica e do clero desde Leão IX e Gregório VII. Uma linha de estudos levanta ainda a hipótese de que dentro da igreja haviam movimentos preocupados em ter que dividir as terras feudais de posse da igreja católica com os filhos dos sacerdotes que os tivessem.

                O debate do celibato e da vocação virginal podem ser estendidos de forma a atingir camadas ainda mais profundas dentro da fé cristã e que certamente são um tabu para aqueles que foram criados dentro de um contexto dogmático católico romano. Existem debates fervorosos dentro do campo da teologia sobre o fato de Maria ter sido virgem antes, durante e após a concepção do menino Jesus. Muitos entendem que Maria teria tido outros filhos, dadas as menções na bíblia aos irmãos de Jesus e portanto após a concepção ela teria tido uma vida normal como qualquer outra mulher da época. Discute-se também a tradução de termos do Hebraico antigo para outras línguas, uma vez que na primeira, não existia um termo próprio para definir parentes próximos como primos chamando a todos de irmão ou ainda que um termo que definia Maria como uma moça já em idade e apta para o casamento que teria sido traduzido como virgem, dando inicio a esta condição. Teria ela tido a vocação virginal apenas? Porém esta é uma outra discussão que necessita de maior aprofundamento e mais material de pesquisa para ser estabelecida.

                Fica evidente assim que o celibato foi uma figura importante dentre as discussões estabelecidas, talvez não a mais relevante, mas certamente uma que levantou questões que percolaram a rocha da igreja, não trazendo ruína, mas sim outros caminhos a serem seguidos como aqueles propostos por Ortodoxos ou por Lutero.

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